quarta-feira, 30 de março de 2022

Extrema direita põe democracia na mira

Extrema direita põe democracia na mira

30/03/2022 - Maria Hermínia Tavares - Folha de S. Paulo

No porão das redes sociais por onde escoa o lodo da extrema direita, circulam duas mensagens similares. Na primeira, a imagem estilizada de um Lula barbudo com a arma apontada para um corpo sem rosto ocupa a mosca de um alvo crivado de balas. Na outra, em vídeo, um homem anuncia que é "dia de brincadeira de Magnum 357" e aperta o gatilho enquanto exclama: "Olha lá um petista passando".



Na edição de 11/3, a revista Crusoé, insuspeita de simpatias esquerdistas, informa que clubes de tiro frequentados por apoiadores de Jair Bolsonaro são estimulados a usar imagens do candidato do PT em seus estandes de tiro. Impossível dizer se isso é a regra ou exceção. É certo, porém, que, sob o incentivo declarado do governo, os indicadores de afeição pelas armas e a facilidade de comprá-las dispararam feito metralhadoras.

Dados do Instituto Igarapé, obtidos via Lei de Acesso à Informação, mostram que cresceram os registros oficiais de armas de fogo em poder de pessoas físicas —alarmantes 134% entre 2018 e 2021; assim também o total conhecido nas mãos de CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores): 127% no mesmo período; e o contingente com registro ativo nessa categoria. Em 2021, foram concedidos mais de mil novos registros por dia: 388 mil CACs foram autorizados a comprar armas de fogo. O Instituto Igarapé revelou também que até novembro de 2021 existiam 1.802 clubes de tiro espalhados pelo país, um em cada três criado naquele ano.

Esses dados —já de si inquietantes por seus efeitos potenciais para o desfecho de desavenças da vida cotidiana— tornam-se assustadores quando se leva em conta que armamentos podem ser carreados para o crime organizado. E deveriam acionar os mais ruidosos alarmes, à medida que uma minoria radical se prepara para as eleições como se fossem uma guerra de extermínio do adversário.

Sobretudo, o modo pelo qual encaram a busca do voto popular é incompatível com a democracia. Como argumenta o cientista político Adam Przeworski, da Universidade de Nova York, o sistema, ancorado em votações periódicas, é a solução para o trato pacífico dos conflitos de interesse e opinião. Ao permitir a alternância no poder pelas urnas —e só por elas—, a democracia aumenta os custos da violência e reduz os incentivos para que os vencidos contestem os resultados adversos.

Seria absurdo supor que essa tese não se aplique ao Brasil, mas ela requer a rejeição pública e inequívoca da minoria de extrema direita que, com o patrocínio do governo, deseja ir à guerra em outubro para manter o seu chefe onde está.

sexta-feira, 11 de março de 2022

'Por que preocupação é com petróleo e não com trigo?', questiona ex-diretor da ANP.

'Por que preocupação é com petróleo e não com trigo?', questiona ex-diretor da ANP.

David Zylbersztajn afirma que benefício tributário deveria ir para área social, não para combustíveis fósseis
Folha de S. Paulo (fonte)
SÃO PAULO

As propostas do Congresso e do governo federal para suavizar a alta dos preços do diesel e da gasolina no Brasil mostram um fetiche em relação ao petróleo que é incompreensível em termos de prioridade de gastos e refletem uma preocupação puramente eleitoral.

A avaliação é de David Zylbersztajn, professor do Instituto de Energia da PUC-Rio e ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (1998-2001).

Nesta quinta (10), a Petrobras anunciou um mega-aumento no preço dos combustíveis, e o Senado aprovou propostas que mudam tributos e criam um auxílio-gasolina.

Ele questiona por que não se discute criar mecanismos semelhantes para amenizar o impacto da alta de outras commodities, como soja e trigo, que também subiram por causa do conflito na Ucrânia e afetam mais diretamente as pessoas de menor renda.

Zylbersztajn calcula que seriam necessários cerca de R$ 50 bilhões para reduzir em R$ 1 o preço da gasolina e mais R$ 50 bilhões para ter o mesmo resultado no diesel. O valor supera os R$ 89 bilhões destinados em 2022 ao Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família.

Para ele, a única política que se justifica, do ponto de vista social, é um subsídio ao gás de cozinha, ainda assim, focado apenas nas pessoas de baixa renda.

Zylbersztajn afirma que a cotação do petróleo já ultrapassou a marca dos US$ 100 em outras ocasiões, como em 2008, e que é possível conviver com os repasses para o preço dos combustíveis sem que isso desorganize a economia brasileira.

"Já vivemos isso no passado. Se pegar o petróleo em 2008 e atualizar pela inflação, chega em valores próximos a US$ 140. Se atualizar de 2011 a 2014 fica em um patamar mais alto também. E a gente não viu essa histeria", afirma Zylbersztajn em entrevista à Folha.

Para ele, não faz sentido taxar ganhos extraordinários de empresas de petróleo neste momento com novos tributos. Se a Petrobras pagar mais dividendos com esses lucros, o dinheiro deveria ser utilizado para saúde, educação e outras prioridades, não para subsidiar combustíveis fósseis, afirma.

Fetiche
Por que está todo mundo tão preocupado com o petróleo e não com o trigo, a carne, a soja? É comida na mesa das pessoas. Tem um fetiche em relação ao petróleo que é incompreensível em termos de prioridade.

Vamos privilegiar o consumidor de baixa renda do gás de cozinha. É uma questão social, de atendimento de quem precisa daquilo para poder sobreviver. É um item essencial. É relativamente barato comparado ao resto e com impacto social infinitamente maior.

Vamos pegar gasolina a R$ 7. É o preço de uma passagem de trem no Rio. Ninguém está preocupado com o cara que anda apertado no trem. Em vez de tratar disso, está tratando de quem está sozinho andando de carro. Mesmo no caso do diesel, mais de 80% do transporte rodoviário está nas mãos de grandes transportadoras. Essas empresas têm condições de absorver neste momento esse aumento episódico do diesel.

O que eu chamo de fetiche do petróleo tem muito a ver com atendimento eleitoreiro, claramente. É 90% isso, e o resto é boa-fé de algumas pessoas mal informadas.

Petróleo já foi mais caro
Ficou caro, mas será que é só por causa do barril de petróleo? Esse barril já esteve bem mais alto do que está hoje durante muito tempo entre 2011 e 2014. O nosso problema hoje é o câmbio. As pessoas estão mirando em alguma coisa que não é exatamente para onde se deve mirar.

A gente vem com petróleo perto de US$ 100 desde antes da invasão da Ucrânia. Tem uma volatilidade natural em uma situação como essa. Se a guerra ficar circunscrita à Rússia, estamos falando de 7% da produção mundial, o que é absolutamente maleável até em um prazo relativamente curto.

Já convivemos bastante tempo com valores até maiores. Se o conflito não se estender, a tendência é o mercado se acomodar.

Amortecer flutuações
Existe isso para o resto da economia? Vamos criar um amortecimento para quando os juros forem muito altos, para quando o câmbio for muito alto, quando o preço de outras commodities estiver muito alto.

Só que todo esse amortecimento vem de dinheiro do Tesouro. Quando tira dinheiro do Tesouro, tira da conservação das estradas. Os cortes na educação foram de R$ 700 milhões. Estamos falando em dar bilhões para combustíveis fósseis. Seria lindo pegar o dividendo da Petrobras e aplicar em saúde e educação. Não tem de ser aplicado no setor de óleo e gás.

Para você subsidiar alguma coisa para alguém sentir no bolso precisa de um valor grande. Para baixar em R$ 1 o preço da gasolina, são R$ 50 bilhões. Mais R$ 50 bilhões para o diesel. O orçamento para restauração de estradas são R$ 6 bilhões. Mesmo assim foi cortado. Se você quer reduzir consumo de diesel, não vale a pena recuperar estradas?

Desabastecimento
O câmbio era mais favorável [de 2011 a 2014], e a Petrobras praticou preços artificiais, quase quebrou, teve um prejuízo de US$ 40 bilhões. Foi a maior dívida corporativa do planeta. Hoje, se jogar o preço abaixo do mercado, não vai ter importação, e a Petrobras não tem condições de prover todo o mercado de derivados. Aí vai faltar combustível.

Taxação de petroleiras
Você tem um contrato de concessão. Os lucros em relação à produtividade dos campos já são taxados. Estaria claramente quebrando contrato. E seria a partir de que lucro? O que é lucro excepcional? Se você quer atrair investimento, vai quebrar a regra de jogo, vai quebrar contrato? Nos contratos de concessão estão estabelecidas as regras dos impostos que você paga.